Conheci o Dinis Machado nos primeiros ensaios da adaptação teatral de “O que diz Molero” em 1994. Um homem que trazia os bolsos cheios de histórias e peripécias de uma Lisboa que não conheci. Uma cidade de chinela-no-pé, de escritores feitos na rua, de homens de mil-e-uma-escritas, tão diferente da afectação frágil no bairro alto que corria nesses dias.
Acho que ficámos nessa altura fascinados pelo arco que ele desenhava sem esforço entre o popular e o sublime, com o seu olho vivo e matreiro. E pela simplicidade desarmante rodeada por vezes de um tom cifrado, de capitão Haddock em confidências espessas de nuvens de cigarrilha.
Com o passar dos anos fomos-nos cruzando aqui e ali, quase sempre por causa d’O Livro, e O Livro foi-se tornando num rochedo majestático, ponto-padrão ou cruzeiro-do-sul que iluminava e orientava o meu percurso. Fossilizei um pouco o Dinis Machado, é verdade. Mas não é qualquer coisa de especial quando encontramos artistas que parecem predestinados a servir de bússola a outros vindouros?