agora que a festa acabou (por agora)

as duas récitas da ópera ANTÍGONO foram momentos de muita intensidade com o coração a correr depressa, a garganta apertada de emoções, e a contemplação do sublime. agora que tudo se desvanece, examino as marcas que me ficaram no corpo:

//é nestes breves momentos de excepção que percebo porque é que temos o melhor trabalho do mundo (ser artistas): todas as frustrações da vida corrente, as lutas, as angústias, os egos embrulhados se desatam para dar lugar à paixão em estado concentrado.

//são grandes as coisas que podemos fazer quando somos muitos: talentosos, rigorosos, apaixonados e solidários.

//precisamos de beleza, do sublime: no meio dos nossos dias tão herdeiros de niilismo e destruição (no que à arte diz respeito) é inspirador olhar para a música barroca e deixar-me arrebatar pela construção do prazer, da inteligência e da emoção.

//no meio da desinspiração geral que reina, ateada pelo espírito merceeiro da nossa imprensa, é muito bom poder vislumbrar as MUITAS pessoas que neste país querem, podem e fazem coisas muito bem feitas.

agora, volto à minha vida normal (com um sorriso nos lábios)

É hoje

Ópera ANTÍGONO estreia às 20h no Grande Auditório do CCB.

A sala vai-se encher, e nós vamos fazer o melhor que soubermos a música que alguém escreveu o melhor que soube, naquela altura.

já nem faltam 2 dias para estrear

é hoje o ensaio geral, à hora do espectáculo. ontem o pré-geral demorou uma tarde inteira.

sinto que deixámos o casulo: há uma efeversccência em que toda a gente se empenha para melhorar os detalhes. somos todos peças de uma máquina grande e sabemos onde cada um deve estar e quando.

combato uma gripe, a energia em baixo, há uma pequena nuvem sobre a minha cabeça. talvez seja só parte do trabalho de parto.

faltam 3 dias para estrear

ensaio corrido do 3º acto: estamos prontos para os gerais.

desejaria esticar para o dobro (pelo menos) este tempo que passo no meio do fosso da orquestra rodeado de naipes de cordas, sopros, a sentir (literalmente) o vento causado pelos movimentos do maestro sobre a minha cabeça, e a estremecer com os pulos que dá em cima do estrado.

mais perto da música? só se enfiar a cabeça dentro de uma tuba, ou assim.

há uma sensação geral de finalização, de estarmos a chegar ao destino da nossa viagem. como dizem os ingleses: “looking forward to…”

faltam 4 dias para estrear

hoje chegaram as sandálias e as botas e um ensaio mais ou menos corrido do 2º acto. algumas falhas aqui e ali mas sente-se que a obra se aguenta, sólida.

os cantores ensaiaram sem figurinos e dá para perceber que um actor/cantor sem figurino é como um guerreiro sem armadura.

como bónus um jantar japonês, sake, e yucan em boa companhia. não preciso de pedir muito mais da vida, hoje…

faltam 5 dias para estrear

primeiro ensaio corrido do 1º acto com TUDO. algumas calinadas, brancas de texto, alterações de última hora, mas a coisa vai-se dar.

hoje aprendi que as cordas da orquestra têm de começar afinadas ligeiramente abaixo dos sopros: quando chegarem ao fim do acto as cordas vão ter baixado de tom e os sopros subido.

será que se pode utilizar a mesma técnica para a vida de casal?

faltam 6 dias para estrear

primeiro ensaio cénico em palco com projecções: a coisa funciona! sentado na plateia do grande auditório saboreio esse prazer raro de ter esta grande sala como tela. não há satisfação comparável numa folha de papel ou numa tela. esculpir imagens no tempo e no espaço com personagens musicais de carne e osso é outro assunto.

dispor do tempo e recursos para fazer isto é um previlégio, sim senho. hoje sinto que este momento é para ser saboreado – daqui a 8 dias tudo se vai ter desvanecido.

faltam 7 dias para estrear

falta uma semana: estamos no palco. a  instalação dos projectores vídeo “so far so good”. sinto os meus desenhos do storyboard a ganharem vida.

instalei-me com a orquestra no fosso: é um sensação bestial estar aqui a sentir todas as vibrações dos instrumentos. é como se a ópera estivesse a passar de três dimensões para quatro.

faltam 8 dias para estrear

os últimos ensaios fora de palco. ansiosos e necessitados de entrar no grande auditório. a luz está instalada, o vídeo é amanhã. chegou o momento da minha ansiedade: existem SEMPRE problemas na instalação dos projectores ( a potência não chega, a distância não dá, a lente não serve, etc, etc). será que desta vez vai ser a excepção?

hoje os cantores começaram a dar gás nas àrias. foi terrífico. por vezes as lágrimas vieram-me aos olhos – se calhar sou um sentimentalão, eu sei, mas a verdade é que ouvir aquelas vozes esta a ser uma experiência do sublime.

faltam 9 dias para estrear

hoje tive mais descobertas, algumas garagalhadas, flashes de apreensão. as introduções das àreas parecem agora momentos óbvios para alguma soltura pictórica.

começou também a montagem de luz no palco (tão grande! visto de dentro)

faltam 10 dias para estrear

até onde devo planear os meus desenhos nesta ópera? a tentação de ter tudo ensaiado é grande, porque oferece segurança numa performance tão rigorosa como a partitura.

mas aprendi durante os ensaios que a música barroca é das menos “escritas” ou seja, deixando muito para o intérprete improvisar ou “interpretar”. não é isso que eu devo fazer também?

faltam 11 dias para estrear

o tempo entrou em aceleração contínua. vamos modelando os resultados. a ópera começa a ganhar uma forma. o cansaço nas vozes, nos olhos, também.